Histórico

A SAÚDE COLETIVA NA FORMAÇÃO DO CIRURGIÃO DENTISTA

            Este texto tem a finalidade de informar aos alunos de graduação de odontologia, os conteúdos e a organização proposta para a disciplina de Odontologia Social e Preventiva I. Nosso objetivo é tentar situar e inserir  os alunos da graduação no campo da Saúde Coletiva, sistematizando algumas informações e os canais teórico e prático da disciplina.            

Somente a partir de meados dos anos 80 observamos uma tardia inserção do sub-setor saúde bucal nas discussões do chamado movimento da reforma sanitária Brasileira, que se deu através do MBRO (Movimento Brasileiro de Renovação Odontológica), cujo marco teórico podemos considerar a realização da I Conferência Nacional de Saúde Bucal, que se realizou imediatamente após a VIII C.N.S., em 1986. A partir daí temos observado e acompanhado atentamente algumas mudanças no campo da Odontologia.  

O paradigma da Medicina Científica ou Flexneriano, que sempre sustentou a formação, e consequentemente a prática odontológica, e que quase sempre foi  voltada para a formação de profissionais para o mercado privado, vem sofrendo inferências em função da grave crise de mercado que hoje assola a odontologia, e das novas demandas de perfil profissional requerida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que representa hoje indiscutivelmente uma opção de mercado para a categoria, principalmente a partir da inserção do odontólogo na equipe de saúde da família. Dentro deste contexto, vislumbra-se a necessidade de um novo “desenho” de perfil profissional, na tentativa de acompanhar este processo de mudança que hoje ocorre no setor saúde, trazendo definitivamente a Odontologia para as grandes discussões no campo da Saúde Coletiva. Esta “nova” odontologia, requer um profissional que discuta e problematize o SUS, com capacidade de planejar, gerenciar, executar,  avaliar, intersetorializar ações e principalmente se articular multiprofissionalmente. 

Mesmo a formação de profissional voltado para o mercado privado deverá passar por uma profunda transformação. Vemos hoje que novas relações de trabalho tem-se construído em função do enorme número de profissionais prestando serviço a grandes grupos de medicina privada.  

Cabe  ressaltar ainda que os clássicos indicadores utilizados em saúde bucal como, CPOD e CEO ( cariados, perdidos e obturados), tem apontado uma tendência de queda em vários municípios do Brasil de acordo com os dados do SB 2003. Esta mudança de comportamento da cárie dentária também vem ocasionando reflexos e conseqüências no “mundo” da odontologia. 

A nossa formação que durante décadas (como o ensino médico em geral) foi fortemente centrado na técnica, no individualismo e principalmente na fragmentação do saber, se vê diante de enormes contradições. Podemos afirmar que, via de regra,  as nossas escolas continuam formando um profissional na contra-mão das necessidades do mercado, da política de saúde vigente e da nova realidade epidemiológica do país. A convergência destes fatores apontam para a necessidade de incorporação de novos saberes na formação deste profissional.  Política de Saúde, Modelo de Atenção, equidade, Controle Social, Interdisciplinaridade, Vigilância em Saúde, Promoção de Saúde, devem obrigatoriamente fazer parte do universo e da formação deste novo profissional de odontologia, o que poderá fazer dele um cidadão mais identificado com a realidade social, capaz de interagir com outras áreas do conhecimento, participando e formulando política de saúde, ampliando o seu foco de ação da boca, do dente, ou do “buraco do dente”, para uma visão de totalidade, de compreensão do processo saúde e doença para além do aspecto biológico. 

Este arcabouço teórico-prático deve caminhar pari-passo as atividades e as disciplinas clínicas, as quais também devem estar adequadas à responsabilidade de promover saúde. Não podemos deixar de considerar que um profissional deve ser sobretudo um bom clínico geral. Não desconsideramos também  a importância das disciplinas clínicas destinadas à formação do profissional voltado para as  especialidades odontológicas, que hoje se constitui em um dos nós na busca da garantia da integralidade de atenção à saúde bucal no SUS. Mas além de saber fazer, é importante estimular o acadêmico a pensar como  fazer? Quais as estratégias à implementar?  

A odontologia não pode se limitar a trabalhar apenas com ferramentas para diagnóstico clínico, mas sobretudo, estar familiarizado com outros instrumentos, tais como, Epidemiologia, Estatística, Bioética, Educação e suas estratégias pedagógicas, Evidências e Representações sociais, com atuação pautada na vigilância em saúde e na responsabilidade sanitária, aptos à construção de diagnóstico clínico e epidemiológico e com capacidade de inserção na comunidade.

      Um dado que vem corroborar com este momento a qual atravessa a odontologia, é o incremento de pesquisas e trabalhos com vinculação aos serviços. Uma análise feita nos Anais do Congresso da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica (SBPqO), demonstraram uma grande evolução dos trabalhos dentro desta linha, até mesmo nos eventos tradicionalmente clínicos, tem-se criado espaços alternativos para discussões vinculadas à saúde coletiva.  

Atualmente muito se discute a inserção da saúde bucal no Programa de Saúde da Família, algumas portarias já foram definidas pelo Ministério da Saúde, inclusive com alocação de incentivo financeiro. No entanto, mais importante que esta inserção, talvez sejam as reflexões que deverão advir no campo da formação de profissionais em odontologia.            

Desta forma, a disciplina de Odontologia Social e Preventiva espera contribuir na ampliação dos horizontes de interesse de atuação dos graduandos, transformando-os em verdadeiros catalisadores das novas práticas coletivas na saúde.