Capítulo IV

Durante todo o século XX, a sociedade brasileira conviveu com indicadores de saúde bucal negativos, que revelaram alta mortalidade dentária. Todos os segmentos sociais e grupos etários da população brasileira sentiram os efeitos da falta de cuidados em saúde bucal, o que pôde ser verificado pela prevalência elevada de doenças bucais, principalmente cárie dentária e doença periodontal.

Diversos motivos levaram a odontologia brasileira a esse fracasso epidemiológico, dentre eles o caráter liberal de venda de procedimentos reparadores especializados a custos crescentes, com ênfase na doença e na fragmentação do ato odontológico. Nesse contexto, a ausência de políticas públicas específicas de saúde bucal associada à heterogeneidade socioeconômica e cultural da população contribuiu para o pouco acesso a ações e serviços odontológicos de qualidade.

O primeiro inquérito nacional de cárie dentária (Brasil, 1988) a descortinar essa realidade demonstrou um elevado índice CPOD (dentes cariados, perdidos e obturados) em todas as regiões do Brasil. Na época, chamou atenção nos resultados divulgados uma grande diferença no comportamento da doença cárie entre as cinco regiões brasileiras, sendo os indicadores nas regiões Nordeste e Centro Oeste quase o dobro dos relativos às Regiões Sul e Sudeste. 

Desde a segunda metade dos anos 90, estudos vêm apontando uma redução da doença cárie na população (Nadanovsky, 2000; Pinto, 1996, 1997; Weyne, 1997). No Brasil, a hipótese pode ser corroborada comparando-se os índices de 1986 com os dados dos subseqüentes levantamentos nacionais até o referente ao último inquérito epidemiológico conduzido pelo Ministério da Saúde ((Narvai et al., 1999; . Brasil, 2003).

Esta redução, na realidade, reflete a importante transição demográfica e epidemiológica em saúde bucal, que o país vem atravessando com o envelhecimento da população. Como possíveis causas para o declínio observado nos índices de cárie, os autores citam a adição de flúor à água de abastecimento público, o emprego em larga escala de dentifrícios fluorados e a reforma dos serviços de saúde, que acompanharam a implantação do Sistema Único de Saúde. Outras causas importantes seriam, em alguns países, o consumo diferenciado de açúcares e a melhoria nas condições de vida da população (Marcenes & Bonecker, 2000; Nadanovsky, 2000; Pinto, 1997, 2000; Weyne, 1997).

Porém a cárie dentária permanece como um grande problema de saúde pública, tanto no Brasil (Andrade, 2000; MS, 1988, 2001) como na maior parte do mundo (Loretto et al., 2000; Martins et al., 1999; Weyne, 1997) e o adulto brasileiro continua portador de uma herança epidemiológica de acúmulo de doenças bucais, refletida no índice de edentulismo na terceira idade(Moyses, ----).

Quanto ao declínio de cárie na população jovem, é preciso considerar o fenômeno da polarização do agravo nos grupos de população mais submetidos à privação social. Assim, o quadro epidemiológico brasileiro, em geral, expressa a persistência de importantes desigualdades sociais, culturais, econômicas e políticas.

Assim, tanto a leitura dos indicadores como o enfrentamento dos problemas de saúde bucal, principalmente a doença cárie, precisam considerar questões como as enormes desigualdades sociais, culturais e geográficas brasileiras. Ao analisar os fatores sócio-econômicos relacionados com a cárie dentária, deve-se considerar a etiologia das desigualdades sociais, como a má distribuição da renda, a falta de participação na riqueza nacional, o desemprego, o atraso tecnológico em alguns setores e os elevados índices de analfabetismo. Além das dificuldades de acesso aos serviços odontológicos, pessoas com diferenças pronunciadas de renda também estão em desvantagem quanto à ocorrência de problemas de saúde bucal.

Sabe-se que a epidemiologia é um poderoso instrumento no campo do planejamento em saúde na medida em que seus dados instruem a definição das ações, bem como o planejamento dos serviços. Observa-se, porém, que as informações epidemiológicas obtidas em nível municipal, são pouco utilizadas e, muitas vezes, sequer chegam a ser publicadas. Com isso, o potencial dos dados produzidos por estes estudos ficam inexplorados e poucas vezes resultam em conseqüências efetivas.  (Vaughan & Morrow, 1997).

III – DETERMINANTES SOCIAL E SAÚDE BUCAL

 

Determinantes sociais de saúde são as condições sociais em que as pessoas vivem e trabalham ou as características sociais dentro das quais a vida transcorre, segundo Tarlov(1996).

Eles são divididos em biológicos, os que estão sob controle do indivíduo; e os de abrangência coletiva, que são dependentes de políticas públicas e outros fatores que fogem da responsabilidade individual. Apresentam um impacto direto na saúde e influenciam o estilo de vida.

Percebeu-se que não eram apenas os fatores biológicos que interferiam na saúde do indivíduo, mas que outros fatores não-biológicos também estavam envolvidos. Renda, alimentação, escolaridade, moradia, emprego, cultura também acarretam mudanças no panorama saúde/doença.

As iniqüidades sociais no Brasil são grandes e este é um fator que agrava e altera os determinantes sociais. Por exemplo, uma área muito carente, de baixa renda, sem saneamento e baixa escolaridade está fadada a possuir piores condições de saúde do que em uma população com média/alta renda, onde há o oposto. Ou seja, o fator social influenciou bem mais a doença do que o biológico em si. Este foi apenas uma conseqüência do meio.

Os fatores biológicos da odontologia são mais fáceis de serem controlados e combatidos do que os fatores sociais. Para resolver os problemas biológicos, basta ter profissionais de saúde, locais para atuação e conscientização. A cura de certas doenças odontológicas são simples de serem resolvidas no consultório, como a cárie dental. Só que se fosse assim tão simples, não haveria mais cárie no mundo. E não é o que acontece. A doença continua mesmo após já terem sido descobertos o tratamento e formas de erradicação. Por que isso não ocorre então? Não ocorre porque não é apenas o fator biológico o determinante para a cárie dental. O biológico influencia sim, mas a falta de escovação, a cultura, a falta de informação, baixa escolaridade, educação, renda, alimentação desregrada, são os fatores que contam mais do que o primeiro.

Combater esse fator social é o mais difícil. Mexe-se com cultura, educação, escolaridade, renda, emprego; e isso não requer apenas a conscientização pessoal e o profissional de saúde. Inclui planos inter-setoriais, educação em saúde, prevenção e promoção de saúde, entre outros.

Na tentativa de compreender como esses fatores sociais influenciam na saúde, criou-se uma Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS) em 2005, que visa identificar com maior precisão as causas de natureza social, econômica e cultural da situação de saúde da nossa população. Entre seus objetivos estão apoiar o poder público, as instituições de pesquisa e a sociedade sobre determinantes sociais relacionados à melhoria da saúde e redução das iniqüidades sanitárias, além de contribuir para a formulação e implementação de políticas, planos e programas de saúde baseados em intervenções sobre os determinantes sociais. Nesta Comissão estão presentes pessoas de diferentes profissões, formando um grupo inter-setorial.

Para maiores informações, entrem no site sobre Determinantes sociais da Saúde: www.determinantes.fiocruz.br

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS

Apresentação de Paulo M. Buss sobre a Comissão Nacional sobre os determinantes sociais da Saúde (CNDSS) em Brasília, 2006. Disponível em:www.determinantes.fiocruz.br/.../Buss%20CNDSS_15%20mar.pps

 

PAULO MARCHIORI BUSS ALBERTO PELLEGRINI FILHO - A Saúde e seus Determinantes Sociais - Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 17(1):77-93, 2007