Capítulo IX

Segundo Marsicano et al., o termo bioética foi empregado, pela primeira vez, no início dos anos 1970, pelo biólogo Van Rensseler Potter, da Universidade de Wiscosin, que se preocupou com o desenvolvimento desenfreado da ciência e com a preservação do equilíbrio entre o homem e o ecossistema bem como suas possíveis repercussões para a vida humana. Assim, tornou-se necessário avaliar sob diferentes pontos de vistas os benefícios e riscos que a pesquisa pode apresentar para o sujeito e a sociedade, obrigando os projetos a passarem por comitês de ética a fim de serem analisados.

Encyclopedia of bioethics  apresenta a seguinte definição: “Bioética é um neologismo derivado das palavras bios (vida) e ethike (ética). Pode-se defini-la como sendo o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisão, conduta e normas morais – das ciências da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto multidisciplinar”.

De acordo com ARAUJO YASELLI M., 2002 a  Bioética preocupa-se com as questões morais do desenvolvimento científico. Propõe uma visão responsável entre ciências e humanidades.

A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, documento da United Nations for Educational, Scientific and Cultural Organizations (Unesco), recém aprovado, recomenda sua ampliação a todos os níveis educacionais, o que corrobora a relevância da disciplina.

Relacionando a ética com a área da saúde Garra em 1995 nos diz: “A análise ética assume papel fundamental no campo da saúde, sendo esta um valor-mor para a Bioética, por sua direta ligação com a qualidade de vida das pessoas. Daí, ser atribuída importância ao conhecimento e à utilização dos fundamentos teóricos e práticos da Bioética para uma atividade profissional consciente e crítica.”

      No âmbito constitucional “no Brasil, está hoje em vigor a Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta a pesquisa com seres humanos. Esta resolução determina a necessidade da apreciação de pesquisas envolvendo seres humanos por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Na condução de uma pesquisa médica em que um ser humano é o sujeito da pesquisa, é preciso atentar para todos esses conceitos éticos.” (Galvão, R. C. D; et. al.).

Em outubro de 2005, a UNESCO aprovou, por unanimidade, a Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, que apresenta importantes princípios e diretrizes.“A Bioética fundamenta-se em quatro princípios, a saber: a) Autonomia – é um termo derivado do grego “auto”(próprio) e “nomos” (lei, regra, governo). Significa autogoverno, autodeterminação da pessoa para tomar decisões que afetem sua própria vida, sua saúde, sua integridade físicopsíquica, suas relações sociais; b) Beneficência – quer dizer “fazer o bem”. Este princípio tem como regra norteadora o bem do paciente, o seu bem-estar e os seus interesses. Deriva do paternalismo hipocrático, originado na Grécia antiga; c) Não-maleficência – diz respeito à obrigação de não causar danos; d) Justiça – é o princípio que obriga a garantir a distribuição justa, equitativa e universal dos benefícios e dos serviços de saúde. Os princípios bioéticos precisam ser analisados com um enfoque direcionado à relação cirurgiãodentista/ paciente. A relação clínica, também denominada relação profissional/paciente, na área da saúde, é tema abrangido pela Bioética e de grande importância na seara odontológica bem como o mote da responsabilidade profissional.” (Serra MC. Bioética, Biodireito e Odontologia. 2007)

De acordo com Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF); 1996 out. 16; Seção 1: 21082-5 na Odontologia, há muitas e diferentes questões que fazem parte do abrangente leque bioético, porém a discussão ainda é incipiente.

            Considerando a rotina de realização de pesquisa com ser humano na área odontológica, considera-se urgente a adequação dos novos paradigmas, é preciso analisar os riscos e benefícios, a obediência às normas e tratados, como os internacionais, sobre o tema, são de grande importância. Além disto, a bioética, surgiu também para discutir com os pesquisadores os aspectos éticos  dos trabalhos científicos.

Buendía-López e Alvarez realizaram um estudo com 50 alunos do 5º ano do curso de Odontologia, tanto em uma universidade chilena, quanto em uma mexicana, com os objetivos: 1-) avaliar o nível de conhecimento sobre Bioética; 2-) avaliar a disposição dos aluno sem aprender mais acerca desse assunto e 3-) a comparação dos conhecimentos sobre bioética entre as duas universidades. Sobre o conceito de Bioética, 96% e 92% dos  alunos entrevistados no Chile e no México, respectivamente, apresentaram nível inferior de conhecimento de acordo com a resposta pré-formulada, colhida na literatura (tiveram respostas

errôneas ou vagas). Sobre acontecimentos históricosde conflito ético, definição de consentimento informado (no Brasil, termo de consentimento livre e esclarecido), preservação

da confidência das informações e os níveis de conhecimento das normas éticas oficiais em seu respectivo país, a maioria, em ambas as universidades, encontraram-se no nível entre conhecimento errôneo ou mínimo. A maioria dos alunos entrevistados, em ambas as universidades, sem haver diferenças significativas, estão inteirados da definição de consentimento informado de que bioética tem definição distinta de ética profissional e que a relação “profissional da saúde – paciente” deve ser analisada pela bioética. Mais uma vez, a maioria dos alunos, em ambas as universidades, tratam do custo e benefício dos tratamentos com seus pacientes bem como acham que o paciente deve sempre ser informado das decisões de tratamento e oferecem a eles várias opções para que os próprios decidam. A respeito do interesse dos alunos em aumentar seus conhecimentos sobre bioética, a maioria dos alunos chilenos relatou haver procurado informações sobre bioética; 12% dos alunos entrevistados ali não têm interesse em melhorar seus conhecimentos sobre bioética, em contrapartida, no México, 100% deles indicaram que precisam aumentar seus conhecimentos.

Como conclusões, a respeito do nível de conhecimento sobre bioética, a maioria dos alunos, nas duas universidades, obtiveram a qualificação mais baixa com relação ao conceito de bioética considerado como correto, segundo a literatura;a respeito do consentimento informado, pode-se inferir que os entrevistados carecem de informação substancial, provavelmente porque não a receberam durante sua formação e, portanto, tampouco sabem como aplicá-la.

Vê-se com este estudo como grande parte dos acadêmicos não tem a devida percepção sobre a área da bioética no campo da Odontologia, o que é de grande importância. 

Entre os assuntos que se relacionam com o leque da bioética, se encontra a biossegurança. Faz parte do cotidiano dos dentistas o “uso de equipamentos de proteção individual (EPI), que têm a finalidade de impedir que microrganismos provenientes de pacientes através de sangue, fluidos orgânicos, secreções e excreções de pacientes contaminem o profissional de saúde e sua equipe. Os EPI incluem luvas próprias para cada procedimento, avental impermeável, gorro, máscara e óculos de proteção.” (Guimarães júnior J. Biossegurança e controle de infecção cruzada em consultórios odontológicos. São Paulo; Santos, 2001. 536p.; Jorge AOC. Princípios de biossegurança em odontologia. 2006).A biossegurança é de enorme importância em qualquer que seja o procedimento.

De acordo com o Decreto-lei 214, de 17 de junho de 1975 os serviços de Odontologia necessitam cumprir as normas de biossegurança baseadas em leis, portarias e normas técnicas do Ministério da Saúde, Ministério do Trabalho e Secretarias Municipais e Estaduais. Devem observar as proteções contra radiações ionizantes, radiação de luz halógena, aplicar condutas para o controle de doenças infecto-contagiosas, de destinação de resíduos e de proteção ao meio ambiente. Caso contrário, as sanções previstas na lei podem ir desde uma simples advertência ou multa classificada em leve, grave ou gravíssima até a interdição do estabelecimento odontológico.

Na condução de uma pesquisa na área da saúde, como por exemplo, pesquisa odontológica em que um ser humano é o sujeito da pesquisa, é preciso atentar para os conceitos éticos como o consentimento do sujeito; privacidade das informações do sujeito;aprovação pelos pares e pela comunidade. A aprovação pelos pares avalia a relevância da questão científica, a relação entre o benefício da informação que será averiguada com a pesquisa e o risco do sujeito e a qualidade científica da proposta para responder às questões levantadas.

            Contudo, busca-se que os acadêmicos tenham formação que contemple conteúdos teóricos aliados às práticas odontológicas, problematizando a epidemiologia, bioética, estatística, biossegurança, sociologia, entre outros campos, para que assim possam realizar procedimentos baseados em condutas éticas, legais, aprendendo e exercendo ações para assim adquirir bons hábitos, facilitando a mudança do atual foco da odontologia brasileira  que ainda concentra-se na atenção no indivíduo e não na coletividade,no privado e não, no público.

            Além disso, é essencial que hajam mudanças no perfil dos atuais profissionais, que muitas vezes não possuem conhecimento sobre, além da ética profissional, a bioética. Muitas atitudes, procedimentos, são realizados sem que os dentistas considerem o que dizem as leis da bioética, algumas vezes os mesmos não tem acesso a tais informações, enquanto em outras, usam de suas “próprias opiniões e julgamentos” para decidir por um procedimento ou outro, por exemplo. Talvéz este seja o reflexo do grande número de ações judiciais as quais os profissionais estão envolvidos.

.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS

 

1.     Marsicano JA, Ramos Junior ES, Assumpção TS, Sales Peres SHC, Sales Peres A. Pesquisa em seres humanos:aspectos médicos, jurídicos, psicológicos e religiosos. RGO,Rev. gaucha odontol. 2008;56(3): 327-32.

2.     REICH W.T. Encyclopedia of Bioethics, 2. ed., v. 1 , New York: The Free Press, 1995 ARAUJO YASELLI M. Estrategias educativas no convencionales para la enseñanza de bioética. In: Asociación De Bioética Fundamental Y Clínica. La Bioética, diálogo verdadero.

3.     Madrid: Asociación de Bioética Fundamental y Clínica, 2002. p. 259-69.

4.     United Nations for Educational, Scientific and Cultural Organizations - Unesco. Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. Paris, 19 de outubro de 2005.

5.     United Nations for Educational, Scientific and Cultural Organizations - Unesco. Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. Paris, 2005.

6.     Buendía-López A, Alvarez C. Conocimiento de la bioética en carreras de odontología. Acta Bioeth. 2006;12(1): 41-7.

7  Farinassi JA. Biossegurança no ambiente odontológico. SOTAU R. Virtual Odontol. 2007;1(3):24-30.

8   Guimarães júnior J. Biossegurança e controle de infecção cruzada em consultórios odontológicos. São Paulo; Santos, 2001. 536p.

     9.  Jorge AOC. Princípios de biossegurança em odontologia. 2006. Disponível em https://www.unitau.br/prppg/publica/biocienc/downloads/principiosbio- N1-2002.pdf